Versos escritos por Mário Sette em 1904

"Doentinha
Se te vejo soffer doente e triste
Com teo rosto formoso, descorado,
Meu pobre coração não mais resiste
E chora completamente desolado

Bem quizera (e tu mesma já ouviste)
Eu desejar de ti, estar ao lado
E cheio de carinho e cuidado
Teo enfermeiro ser... no entanto existe

A social barreira que nos tolhe
E que consente que meo pranto molhe
O teo retrato que entre dores, fito
Porem permitirá o justo Deos
Que em breve eu veja o riso em lábios teos
E o rosto teo a me sorrir, bonito."

 

 

 

“Cultivando-a ao vagar de arruar romântico num êxtase pela sua beleza e num interesse pelos seus passos".

Quando tinha cinco anos de idade, viajou com os pais à Europa. Retornaram e, em 1895, quatro anos depois, nova viagem à Europa, com permanência em Paris.

 

 

 

Cartaz de exposição, 2006.

 

 

 

Um episódio pitoresco, e de relevância cultural assinala a sua estada de dois anos no Arraial, onde se estabelecera temporariamente para desfrutar da salubridade do clima, necessário à saúde do tio com quem ele morava.

 

 

 

Vista panorâmica e detalhe da cidade de Caruaru, em 1923. Cidade que Mário Sette amou e que o inspirou com seus tipos e costumes.

 

 

 

SENHORA DE ENGENHO (...) Trata-se de um romance que pela temática foi precursor do romance regionalista do chamado ciclo da cana-de-açúcar explorado mais tarde, com mais força, por José Lins do Rego.

Mário Sette: a vida dentro da obra

Maria da Paz Ribeiro Dantas

1 – Recife Revisitada: um tempo mítico

Impossível voltar os olhos para o Recife do passado sem encontrar a imponente presença de Mário Sette. Imponente pelos alicerces que a sua obra, em sua quase totalidade, fincou no solo a tradição cultural de uma cidade que, por sua vez impregnou-lhe a imaginação e a emoção, num complexo razão e emoção. Seja através dos livros que registram a memória do passado histórico e cultural do Recife, entremeado às vivências pessoais do autor, seja através da obra do ficcionista, também voltada para a abordagem do ambiente e dos costumes dessa mesma cidade, na primeira década do século XX, Mário Sette nos transmite o sentido de uma forte realidade: a caracterização daquilo que para ele constituía uma recifencidade.

Como registro de memórias - autobiografia e inventário coletivo evidentemente destacam-se MAXAMBOMBAS E MARACATUS (escrito durante a sua permanência em Maceió, como diretor do Depto Regional dos Correios e Telégrafos). ARRUAR, o livro do escritor já maduro (60 anos) e três outros de menos importância, como ANQUINHAS E BERNARDAS (1940), BARCAS DE VAPOR (1943) e POR ONDE OS AVÓS PASSARAM (1945).
Sobre esse gênero, que é aquele em que com maior força e expressão se realizaram as potencialidades artísticas de Mário Sette, declara ele próprio:

"Já na década de 30 e principalmente nestes últimos anos a partir de 1940, venho trocando a literatura de pura ficção pela reconstituição histórica de paisagens, costumes, episódios, figuras humanas do meu Recife de outrora". (2)

ARRUAR, que é de 1945, e representa para o autor o ponto alto de uma escolha, a cristalização dessa emoção que o fazia vibrar diante de seres e coisas da terra, contém todo sumo de uma vivência iniciada desde a mais tenra idade e intensificada em 1901, quando abandonou o Rio onde o padrasto o forçara a viver interno num colégio, para livrar-se de sua presença em casa, junto à mãe a quem ele era muito apegado. Apos 4 anos de constrangimento, convivendo num ambiente hostil àquele que era considerado pejorativamente "o diferente", resolve de acordo com a mãe e o avô, retornar ao seu amado Recife, para aqui morar em companhia de um tio.
É desse ano a anotação em que se refere a ARRUAR:

"1901. O jovem reviu sua terra com uma alegria indefinível. Reencontrou sítios, veio a conhecer outros. Frequentou festas populares. Trabalhou. Participou da cidade que deixara menino. (...)

O livro de hoje é uma cristalização desse amor. (...) De cabelos brancos, (o autor) namora e faz madrigais, não a uma mulher: a uma cidade. O idílio é com ela à moda antiga.

“Cultivando-a ao vagar de arruar romântico num êxtase pela sua beleza e num interesse pelos seus passos".(3)

Pesquisador incansável que foi para não dizer obcecado, da ancestralidade de sua amada urbe, nenhum outro como Mário Sette foi capaz de captar as nuances, os matizes de uma cidade a qual ele estava visceralmente ligado através da vivência, de um convívio feito de presença constante e atenta aos menores detalhes, tanto do povo, através do aspecto externo da indumentária, como do comportamento, dos costumes, da linguagem, etc.

2 – Uma retrospectiva pessoal

Numa segunda feira de abril (19) de 1886, nascia no Recife (e onde mais poderia ser?) Mário Sette. Em suas MEMÓRIAS ÍNTIMAS registra o devaneio que o faz imaginar até mesmo a fisionomia do dia em que ele nasceu. Estaria límpido ou nublado?

A rua em que nasceu foi a Princesa Isabel, mas tendo ele um ano e meio, a família mudou-se para um casarão da Rua Riachuelo, muito amplo e aprazível. Sobre o casario da Rua Riachuelo, deixa-se conduzir nas asas de um devaneio à Bachelard, nomeando espaços, recantos, detalhes, como por exemplo, quando se refere às três salas do casarão.
Quando tinha cinco anos de idade, viajou com os pais à Europa. Retornaram e, em 1895, quatro anos depois, nova viagem à Europa, com permanência em Paris. Iniciava assim uma vida bastante movimentada cheia de viagens e de inúmeras mudanças de moradia numa mobilidade que futuramente seria trocada por um estilo de vida caracterizado pela reclusão e alheamento do mundo, dando-lhe condições de consolidar, no trabalho escrito, o cabedal de formações que colhera ao longo de tantas viagens.
Deixando o Rio para retornar, por opção e vocação, ao seio da terra natal, Sette, no mesmo ano em que aqui chegou (1901) começou a trabalhar na Alfândega com o tio, desempenhando tarefas burocráticas. 1901 foi também o ano da "estréia literária". A estréia foi no jornalzinho humorístico "A Pimenta", seguindo-se, a partir de então, a sua presença como colaborador assíduo em outros jornais e periódicos como "Jornal Pequeno" (Recife). "Revista do Brasil" (da qual foi diretor, em Recife, a convite de Monteiro Lobato), "Fon-Fon", (Rio de Janeiro).

3 – Moradas. Pousadas. Episódios.

A ladeira de São Bento, em Olinda no ano de 1915, o bairro da Várzea, em 1920 (ambiente tranquilo e melancólico) que lhe inspirou AS CONTAS DO TERÇO, Olinda outra vez em 1921, Maceió em 1932, como diretor de Depto Regional dos Correios e telégrafos; em Recife novamente e dessa vez em definitivo, em 1937, foram lugares/momentos que impregnaram a vida a existência e a obra do homem que os marcou com sua presença, ao mesmo tempo em que foi por eles definitivamente marcado.

Um episódio pitoresco, e de relevância cultural assinala a sua estada de dois anos no Arraial, onde se estabelecera temporariamente para desfrutar da salubridade do clima, necessário à saúde do tio com quem ele morava. Quando retornava do trabalho para casa, à noite, ia na maxambomba das nove e meia, junto com outros rapazes. Essa convivência deu origem ao "clube nove e meia do Arraial", que fez sucesso no carnaval de 1905 e continuou conhecido por outros carnavais.
Passagens que ficam, mas que não se destroem e que, ninguém como ele próprio saberia exprimir num inventario definitivo:

"Existe, em cada cidade, para os que a amam e muito sabem senti-la, uma impregnação toda peculiar, como um aroma pessoal, que os anos não destroem. No Recife esse particularismo se evola num sino, num pormenor de procissão, num desvão de bairro, numa volta do rio, num perfume de tabuleiro, numa galhofa do povo, numa toada de Carnaval, numa alameda de sítio, num sabor de oiticoró ou de abacaxi... Todas essas coisas haverá em diferentes terras, mas no Recife elas se harmonizam com a paisagem no nosso entendimento". (4)

4 – O ficcionista

A exiguidade do espaço não permite uma abordagem mais ampla da obra do ficcionista contista e romancista Mário Sette. Em vista disso, limito-me a mencionar os trabalhos do autor de SEU CANDINHO DA FARMÁCIA e SENHORA DE ENGENHO, concluindo com um breve confronto entre essas duas obras, acima citadas.

O ano de 1916 assinala para Mário Sette, a sua estréia em livro, com AO CLARÃO DOS OBUSES. Trata-se segundo ele próprio, de um livro com "estilo empolado, floreado, ainda, muitas falhas na linguagem". (5) ROSAS E ESPINHOS veio a público em 1918, e aborda "aspectos e figuras da vida nacional, paisagens de Olinda e de Caruaru por serem as mais familiares aos meus olhos...” (6)
Em seguida vieram SENHORA DE ENGENHO (1921, ano em que o autor foi eleito membro da Academia Pernambucana de Letras). A FILHA DE DONA SINHÁ, SOMBRAS DE BARAÚNAS (contos), JOÃO INÁCIO (novelas) e O VIGIA DA CASA GRANDE, publicados entre 1923 e 1926 sendo que este último recebeu o prêmio de romance da Academia Pernambucana de Letras.
Ainda no gênero de ficção vieram, 1938, OS AZEVEDOS DO POÇO, "ao mesmo tempo obra de ficção, autobiográfica e de reconstituição ‘do bota abaixo’ no bairro do Recife, para as grandes obras do porto". (7) Além de SEU CANDINHO DA FARMÁCIA, A MULHER DO MEU AMIGO apareceu no ano de 1933.

5 – O Rural e o Urbano.

SENHORA DE ENGENHO contrapõe a vida e os costumes da cidade do Rio de Janeiro da década de 20, à vida num engenho do interior de Pernambuco, olhada do ponto de vista de uma família burguesa, de costumes pacatos. O romance não chega a abordar as tensões sociais da vida no campo, uma vez que a narrativa se detém na trama familiar mediante a qual Hortência, a carioca que veio a ser a SENHORA DE ENGENHO personagem que dá título ao livro, deixa a cidade para morar no campo, levada para lá pelo marido Nestor, filho do casal dono do engenho, e que fora para o Rio levado pelo espírito de aventura seguindo os sonhos da juventude. Casando-se lá com a filha de um homem de prestígio, cansa-se da vida vazia, de diversões fúteis e rotina de trabalho como funcionário público; retorna ao engenho levando consigo a mulher, reconhecendo por fim que no campo, como administrador do engenho do pai, estava o verdadeiro sentido e futuro promissor de sua existência.

Trata-se de um romance que pela temática foi precursor do romance regionalista do chamado ciclo da cana-de-açúcar explorado mais tarde, com mais força, por José Lins do Rego.
SENHORA DE ENGENHO foi lançado em 1921. Não obstante a habilidade de Mário Sette como narrador, sua penetração psicológica no delinear dos diversos personagens, apresentando com admirável fidelidade as respectivas reações e comportamentos determinados pelo contexto e pelo ambiente, falta-lhe, todavia, uma visão mais abrangente das tensões sociais, da múltipla interrelação de forças que faz com que a história se processe.
Ao contrário de SENHORA DE ENGENHO, que é um romance de temática rural, SEU CANDINHO DA FARMÁCIA explora o ambiente urbano do Recife na primeira década do século XX. Enquanto em SENHORA DE ENGENHO, Mário Sette se mostra um romântico, em SEU CANDINHO DA FARMÁCIA ele se aproxima mais da proposta modernista, sem, no entanto, deixar de cercar as coisas, os ambientes, as paisagens, etc. com uma aura de beleza transcendente que resiste à "feitura" e à imediatez da realidade:

"Naqueles trechos primitivos, entortados, esguios de São José, a cetinosidade do luar revestia-se de expressão diferente, de um que de ingenuidade, de um vexame mesmo de se ver realçada tanta coisa velha, feia e triste, diante dos olhos indiscretos dos que não conhecem o sabor de poesia dos recantos antigos”

(1) Maxambombas e Maracatus. Fundação de Cultura Cidade do Recife.1980.
(2) Memórias Íntimas. Fundação de Cultura Cidade do Recife. 1980. p. 163
(4) Arruar. Casa do Estudante do Brasil, 1946, p. 60.
(5) Memórias Íntimas, p. 102
(6) Ibid., p. 103
(7) Ibid., p. 164
(8) Seu Candinho da Farmácia. Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1983 p. 124
Fonte: DANTAS, Maria da Paz Ribeiro. Mário Sette: a Vida dentro da Obra. Artigos vencedores do Concurso Mário Sette de Reportagem FUNDARPE. Publicado no Suplemento Cultural do Diário Oficial. Recife-PE: 1986.