Mário Sette (1886-1950) conheceu muitas cidades importantes logo na infância: Recife, Santos, Rio de Janeiro, Lisboa, Madrid e Paris.
(...) por viver na Europa boa parte de sua infância, terminou deixando influenciar-se pelas obras literárias européias, principalmente pela língua e literatura francesas.
(...) um arguto estudioso de caráter de nossa gente, traçando com tintas fortes a forma definitiva, a geografia humana dos tradicionais bairros recifenses.
Anúncios de jornal do período entre 1907 a 1909 e que serviam de inspiração para o escritor.
Mário Sette foi descendente das famílias Rodrigues e Sette. Na história da família Sette, há, pelo menos, dois fatos interessantes que podem ter influenciado o futuro escritor. Houve, nos idos de 1817, durante os inesquecíveis acontecimentos revolucionários em Pernambuco, um Manuel Sette, que, na condição de comandante da sumaca que conduzia o ex-governador Caetano Pinto de Montenegro para o Rio de Janeiro, ao entrar em águas da Baía de Guanabara, em vez de içar a bandeira real, cometeu a ousadia de soltar ao vento a revolucionária. Em terra a surpresa foi enorme e logo as autoridades ordenaram-no a baixar a bandeira dos revolucionários de 1817, mas obstinadamente, Manuel Sette se recusou, pelo que acabou preso e deportado para Lisboa.
Um outro, o comerciante Guilherme Sette, aqui no Recife, adorava vir às
folhas dos jornais para tratar de estranhos assuntos. Numa feita publicou o seguinte
aviso: ”Guilherme Sette, não querendo passar por tolo, avisa ao senhor
que lhe tirou um canivete de cima da mesa, que já comprou outro e o espera,
não mais com a mesma condescendência de lhe calar o nome”.
O nosso Mário Sette, por sua vez, para não deixar por menos a prática
de atos inusitados, já quase no final da vida, resolveu também imprimir
a sua marca pessoal: fez a primeira comunhão perante a Igreja Católica,
seguindo todos os ritos, aos 61 anos de idade.
Respondendo ao um curioso inquérito organizado por Gilberto Freyre, Mário
Sette rememorou de forma sentimental e bem humorada fatos de sua vida, revelando-se
um homem de temperamento provinciano, enraizado no torrão natal. De logo,
porém, afaste-se a idéia de que foi um homem arredio a conhecer
outras cidades, tanto o seu amor pelo Recife, aliás, revivido não
apenas em “ARRUAR” (História pitoresca do Recife Antigo), mas
sobretudo em MAXAMBOMBAS E MARACATUS, (Crônicas de um Recife, como escreveu
Mário no subtítulo, que eu não quisera fosse ainda o que
era, mas de que tenho saudades por haver deixado de ser o que foi). Pois bem,
Mário Sette (1886-1950) conheceu muitas cidades importantes logo na infância:
Recife, Santos, Rio de Janeiro, Lisboa, Madrid e Paris.
Estudou as primeiras letras com seus pais. Alfabetizado, começou a ler “Dom
Quixote”, além de fazer muita caligrafia, escrevendo, várias
vezes, frases como esta: “Um só dia do homem erudito vale mais do
que cem anos do homem ignorante”.
Aos 11 anos ficou órfão de pai. A partir de então, sua vida
mudaria por completo. Desse período não guardou gratas recordações.
E por isso desabafaria mais tarde:
“Apenas (as recordações) das fundas saudades de minha mãe e a estranheza de internato para quem, filho único, muito mimado e apegado às saias maternas, se viu no vazio de um internato, por exigências do padrasto”.
Concluído no Rio de Janeiro o preparatório, voltou ao Recife e ingressou
na Faculdade de Direito. A carreira de advogado não o seduziu e terminou
funcionário público.
Por essa época, já colaborava em revistas e jornais de várias
cidades brasileiras, destacando-se a “Fon-Fon”, do Rio de Janeiro.
A seguir, passaria a integrar o corpo de redatores do Diário de Pernambuco.
Curiosamente, Mário Sette, por viver na Europa boa parte de sua infância,
terminou deixando influenciar-se pelas obras literárias européias,
principalmente pela língua e literatura francesas. Tal influência
foi para ele reconhecida com entusiasmo:
“Continuo a ser, como é natural, um homem formado num clima de predominância européia e por isto, um tanto estupefato e não raro escandalizado em face de certos aspectos da influência norte-americana. A gente quando se habitua à casa em que sempre vive não nega as belezas das outras...”
A extensa obra de Mário Sette (mais de vinte livros publicados) espraiou-se
por vários gêneros. Quase todos foram tentados. Mas, a posteridade
tem destacado nela dois aspectos fundamentais: os romances e os ensaios sobre
os costumes pitorescos do Recife antigo.
Dado o caráter já salientado, isto é, a prosa romanesca como
o destino desta cadeira, prefiro deter-me mais em alguns aspectos da ampla obra
narrativa.
Ruy João Marques já reclamou com veemência desta mesma cadeira
que nós deveríamos ler mais o autor de SENHORA DE ENGENHO. E pediu
que a atual crítica redescobrisse a obra setteana.
E, com efeito, foi nesta Casa onde apareceu um gesto de reconhecimento crítico
à obra de Mário Sette, quando o escritor e acadêmico Lucilo
Varejão Filho trouxe à luz um percuciente estudo sobre os romances
urbanos setteanos. E nesses estudos, aparecem argumentos convincentes que apontam
para uma revisão crítica de alguns romances de Mário Sette.
Ao contrário do que muitos têm julgado, apressadamente, o autor de
OS AZEVEDOS DO POÇO não foi apenas um romancista preocupado, de
maneira exclusiva, com a fixação de costumes pitorescos do Recife.
Revelando-se, como sustentou o crítico referido, um arguto estudioso do
caráter de nossa gente, traçando com tintas fortes a forma definitiva,
a geografia humana dos tradicionais bairros recifenses, como aconteceu no extraordinário
romance SEU CANDINHO DA FARMÁCIA.
Aliás, sobre este romance, ouçamos o que escreveu o mencionado crítico:
“do mesmo jeito que Balzac e Molière fixaram a avareza em monsieur
Gandet e Harpagon, respectivamente, ou que Shakespeare deixara a cargo de Iago
simbolizar a perfídia, Mário Sette vai servir-se do velho farmacêutico
Candinho – mas também de suas amantes, de seus amigos e até
de seus eventuais fregueses – para nos mostrar, com o bairro recifense de
São José, servindo de pano de fundo, os estragos da maledicência,
que eles tão bem encarnam”.
Mário Sette também se preocupou com algumas cidades situadas nas
chamadas zonas da Mata e do Agreste. Exemplo interessante é o caso de SENHORA
DE ENGENHO, talvez o romance de melhor fortuna crítica da obra setteana,
que tem quase toda a sua ação localizada na pequena cidade de Tracunhaém,
além de focalizar o Rio de Janeiro e o Recife.
O mesmo se dá com a cidade de Caruaru, que aparece revivida com suas cores
e figuras humanas inesquecíveis nas páginas de A FILHA DE DONA SINHÁ.
Fonte: Excerto do discurso de posse de Cláudio Aguiar na Academia Pernambucana de Letras - APL in Cadernos da Academia Pernambucana de Letras – 10- “O destino de uma cadeira”, Aguiar Cláudio; “Caldeirão de Idéias”, Matos, Amílcar Dória. Recife: 1994.