2ª edição, impresso em 1928 pela edtora Lello.
Locais que inspiraram o romance: imagens de Rio Formoso e de um velho engenho.
De permeio ao cântico de louvor à vida bucólica dos engenhos, o autor soube, entretanto, enxertar uma tragédia de alto fulgor.
Se SENHORA DE ENGENHO pode ser considerado como visão senhorial da terra, O VIGIA DA CASA GRANDE será a visão que, dessa terra e de seu uso, tem a gente humilde do campo. Sem ter, ela própria, um chão seu, onde se fixar e com sua vida regulada pela bondade, ou pela crueldade dos donos de terras com que se defronta, é, ainda, gente mansa que desconhece o uso da violência na reivindicação de seus direitos. Longe estamos dos ásperos tempos das ligas camponesas e da movimentação dos sem-terra dos nossos dias. E foi o mundo que Mário Sette encontrou ao descobrir o campo, nos primeiros decênios do século.
Até a natureza se mostra menos madrasta, nesses tempos de vivificantes invernadas, em que Benjamin Camboa, generoso senhor de engenho, de espírito justo e progressista, põe-se à frente da gente miúda de sua propriedade, Mata Verde, com uma visão bem moderna do que seja administrar suas terras.
Mas, o que dá especial relevo às páginas do romance é
a visão do trabalhador do engenho, encarado como ser humano e cujos problemas
pessoais, e de relacionamento com sua coletividade, são esmiuçados
com o mesmo interesse com que Shakespeare esmiuçava a alma dos reis, rainhas
e nobres de todo jaez. A paixão do carreiro Antônio Pedro pela infeliz
Jovina nos comove com a pungência de forte drama humano.
Mas não se pense que sendo O VIGIA DA CASA GRANDE obra de escritor profundamente
identificado com o povo e que não esconde a sua simpatia pelos deserdados
que habitam brejos, caatingas e sertão, venha ele nos oferecer uma visão
angelical e romântica do trabalhador rural.
Se dentro do engenho havia os enraizados, filhos, e até netos, de velhos
moradores, que viviam em maior contato com a Casa Grande, e mostravam-se amigos
do Senhor de Engenho, exercendo as tarefas mais importantes na propriedade e tendo,
todos um nome e até uma história, a gente do eito, a que cavava
a terra, plantava e colhia cana, mas, sem maiores ligações com o
engenho, ela é encarada de realista. Talvez, mesmo, sem muita piedade.
Assim, eis o que dele pensa o Fulgêncio, dono da vendola situada em terras
de Mata Grande:
... ele conhecia bastante a índole andeja dos trabalhadores rurais. Nunca se enraizavam em terra alguma, por melhor que estivessem. Chegavam de repente, pedindo uma casa, um sítio, um lugar qualquer, e se atendidos, solicitavam também uma burra e portador para irem buscar em propriedade longínqua aos seus "trens". Aboletavam-se, depois de cinco, dez, vinte léguas aspérrimas, punham-se a laborar no eito, a lidar no engenho. Subitamente, valendo-se de pretextos mínimos ou à míngua de motivos, por mera veneta de jornadear, de outros ares, sem prenúncios, avisavam à Casa Grande sua deliberação de partir, quando não abalavam alta noite, como "criminosos".
Talvez como uma espécie de escusa, o romancista acrescenta:
Tara peregrinadora, sina andarilha, herança, talvez, de bandeirantes sertanejos, de escravos fugitivos...
Dada a época em que foi escrito e publicado o romance, compreende-se que tenha escapado ao seu autor o problema da dívida social que, hoje, a multiplicação e o aprofundamento das análises da violência no campo têm levado, inclusive os espoliados, a uma consciência da justiça das suas reivindicações.Fonte: Apresentação de Lucilo Varejão Filho in: SETTE, Mário. O Vigia da Casa Grande. Coleção Romances Rurais - os velhos mestres do romance pernambucano. Vol.5. Recife: Companhia Editora de Pernambuco – CEPE, 2005.