Com a mais real habilidade, conseguiu Mário Sette o seu escopo, realizou um livro impregnado de fortíssimo brasileirismo e ao mesmo tempo artisticamente composto.
A este livro de tão patriótico título e a que também tenho a honra e o desvanecimento de servir de paraninfo, impôs Mário Sette uma feição em perfeita correspondência com a divisa de afeto, posta à sua portada.
Neste nosso país imenso e ainda despovoadíssimo, onde os principais núcleos tão pouco se interpenetraram ainda, na grande maioria dos casos, a idéia da maior Pátria, da grande Pátria, se esbate ante a da patriúncula, consequência, aliás, de um fenômeno natural quanto possível.
Pátria de muita terra, Pátria de pouca gente...
Não basta a unidade de língua e de religião para reforçar
esse brasileirismo tênue.
Ela não impediu a desagregação do antigo Peru nem a do
Velho Vice-Reino de Nova Granada.
É preciso que, diariamente e cada vez mais, às crianças
se incuta e, desde as primeiras letras, um nacionalismo integrador e fortíssimo.
É indispensável inculcar-lhes um sentimento intenso de respeito
por esta vastidão territorial que é a nossa, tão penosa
e tenazmente adquirida e sedimentada, pelas navegações e as bandeiras,
a política da coroa lusitana, a continuidade do esforço do império
e o remate das questões lindeiras, com a República.
Como contribuição de valia para a homogeneização
brasileira nada há mais precioso do que ensinar às crianças
os grandes lances da vida comum brasileira das gerações que a
precederam; os feitos notáveis da vida nacional, os que repercutindo
em todo o país produziram em todos os seus recantos os mesmos efeitos,
despertando em seus mais longínquos paramos os mesmos sentimentos.
E este livro de Mário Sette, sob tal ponto de vista, é simplesmente
ótimo.
Incisivo, sinteticamente, transmite às crianças noções
exatas dos lances ilustres de história dos brasileiros, frequentemente
sob a forma de anedota, muito bem estudada, meditada e contada.
Assim realizou uma série de narrativas do mais atraente efeito, em que
relembra as grandes fases dos nossos anais e os seus episódios máximos.
Os navegadores e os povoadores, os catequistas, os primeiros desbravadores,
os que repeliram as conquistas estrangeiras e conservaram a unidade lusa, os
caçadores de índios, mineradores de ouro e criadores de gado,
os primeiros arautos da liberdade brasileira, os mártires dos primeiros
movimentos em prol da Independência, os patriotas de 1822, os soldados
que defenderam a integridade do Brasil Nação e os que levaram
a liberdade aos povos vizinhos, escravizados pelos tiranos, o Imperador magnânimo,
os porta-vozes da Abolição e da República, os grandes expoentes
da mentalidade brasileira, nos campos das artes, das letras e da ciência,
os vultos notáveis da consolidação da República,
os renovadores do país, à luz das conquistas atuais, os grandes
administradores modernos,o chanceler bandeirante dos últimos litígios
e da arbitragem, o proto aviador glorioso, uma enorme galeria, enfim, se apresenta
aos olhos dos jovens leitores. O Brasil se lhes debuxa vivazmente uno, indivisível...
Com a mais real habilidade, conseguiu Mário Sette o seu escopo, realizou
um livro impregnado de fortíssimo brasileirismo e ao mesmo tempo artisticamente
composto. E sabe Deus quanto e difícil escrever “fácil”,
para crianças.
Com este excelente volume mais um motivo surge para o alto renome do jovem escritor
pernambucano, em cuja obra já extensa, o nosso público, com tanto
carinho, distingue entre outras aquele suave romance da SENHORA DE ENGENHO,
a reconstituição novelesca de tempos de antanho d’O PALANQUIM
DOURADO, o belo livro de contos de ROSAS E ESPINHOS.
“BRASIL, MINHA TERRA!” será certamente nova consagração
para o autor de páginas tão intrinsecamente brasileiras...
São Paulo, 24 de maio de 1928.
Fonte: Excerto do Prefácio de Afonso de E. Taunay da 1a Edição SETTE, Mário. Brasil, Minha terra! Edições Melhoramentos, São Paulo: 1928.