Primeira edição de ARRUAR

 

Anúncio da época.

 

Quem lê Arruar... se é pernambucano fica mais pernambucano; se brasileiro de outro Estado, mais amigo de Pernambuco ou do Recife

 

E quando no banheiro as moças vão despir-se
Toda a rapazeada em roda se postando
Por acaso, ou descuido, ou mesmo de propósito
vai pelo buraquinho às pobres espreitando

 

Assim meu caro Mário Sette, sobrinho de meu velho professor Sette, o seu ARRUAR é um livro precioso, onde espero que um dia você virá por uma dedicatória para este seu amigo e admirador.
Manuel Bandeira

 

Senhoras nas ruas, 1905

 

Anúncio de casa de banhos, influência dos costumes da burguesia européia que atendia ao anseio da população recifense pela modernização da cidade.

ARRUAR – HISTÓRIA PITORESCA DO RECIFE ANTIGO (1932)

 

Este meu livro dos 60 anos faz-me evocar aquele rapazinho de 16 que, no começo do século corrente, voltou a sua cidade natal, deixando os feitiços da Guanabara. E tão ávido daquele berço querido cuja lembrança nunca se esbatera de sua memória e de sua ternura, durante o lustro de ausência... E ele, o adolescente, regressara ao Recife, com a sua roupa pobre, com a sua mala modesta em que mãos de mãe, pingadas de lágrimas de saudades do filho único arrumara entre peças de vestuário e utensílios comuns, alguns livros de estudos, uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes e uns cadernos... Cadernos destinados a trabalhos escolares, sim, mas garatujados de versos líricos e de umas páginas de romances de imitação indianista.

1901. O jovem reviu a sua terra com uma alegria indefinível. Reconheceu sítios, veio a conhecer outros. Trabalhou. Viu novenas e outras festas. Participou como rapaz da cidade que deixara menino. Continuou ainda a rimar sonetos para a companheira de infância, agora tão moça, que redescobrira numa janela de sobrado até onde alteou o seu destino... E nunca mais pensou em deixar o seu Recife, amando-o como se pode amar o que se julga incomparável.
O livro de hoje é, assim, uma cristalização desse amor. O autor não é mais o “poeta que quis ser” acertando cesuras, metros, fechos de ouro... Restar-lhe-á talvez, um pouco desse dom de devaneio que é também poesia. De cabelos brancos, namora e faz madrigais. Não mais a uma mulher: a uma cidade. O idílio é com ela e à moda antiga. Cultuando-a ao vagar de um “arruar” romântico. Num êxtase pela sua beleza e num interesse pelos seus passos. Um sabor particular de evocar-lhe o passado na vaidade do presente. Afeto de quem a soube amar como moço e a ama ainda mais, por melhor compreende-la, já velho.
ARRUAR obra de agora, mas que eu, a bem dizer, trazia em indivisíveis rascunhos, naquela mala humilde ajeitada pelas mãos de minha mãe, pingadas de lágrimas, algumas delas porventura descidas de seus olhos boníssimos com pena de não poder vir também com o filho para a cidade onde ambos nasceram.
Escrevemo-lo nós dois esse livro.

O autor, 1.12.1947

Baixe aqui o livro ARRUAR - História Pitoresca do Recife Antigo.

Nota do editor da primeira edição

De renome internacional, o autor de ARRUAR, a seu respeito assim se expressa Henrique Perdição, no "Dicionário Universal de Literatura", edição de 1940:

Escritor brasileiro, nasceu em Pernambuco, no ano de 1886. Depois de haver feito na terra natal os seus estudos primários foi para o Rio estudar humanidades, com o intuito, talvez, de se matricular depois numa escola superior. Mas, ou porque as carreiras liberais o não seduzissem, ou por outro qualquer motivo, regressou anos depois ao Recife e foi empregar-se num escritório comercial, passando mais tarde para os correios, onde é presentemente chefe dos Serviços Econômicos, já tendo ocupado, em comissão, a Direção dos Correios e Telégrafos de Alagoas. Desde muito novo que Mário Sette começou a escrever e a publicar versos vários, que, porém, nunca reuniu em volume; depois, já com crônicas, contos e comentários, passou a colaborar com certa assiduidade em periódicos não só de Pernambuco, mas também do Rio e de outros Estados, fazendo aparecer em 1917 o seu primeiro livro: AO CLARÃO DOS OBUSES, contos inspirados em episódios da guerra que então lavrava. A seguir, publicou: ROSAS E ESPINHOS (1918); SENHORA DE ENGENHO, com edições várias e que muitos consideram a sua obra-prima; QUEM VÊ CARAS, diálogos; O PALANQUIM DOURADO; A FILHA DE DONA SINHÁ e O VIGIA DA CASA GRANDE, romances, todos três, havendo o último alcançado o Prêmio da Academia Brasileira, de 1924; SOMBRAS DE BARAÚNAS, contos; AS CONTAS DO TERÇO, romance; JOÃO INÁCIO e A MULHER DO MEU AMIGO, novelas; MAXAMBOMBAS E MARACATUS, crônicas "cheias de cor e de emoção sobre o 1900 pernambucano", na expressão de Gilberto Freire - livro que teve, logo que apareceu, duas edições sucessivas; SEU CANDINHO DA FARMÁCIA e OS AZEVEDOS DO POÇO, romances. Destas obras, várias são de edição portuguesa (Lelo & Irmão) e de uma delas - a SENHORA DE ENGENHO - fez-se uma tradução espanhola. Há, ainda, outros trabalhos seus, mas de caráter didático: VELHOS AZULEJOS, TERRA PERNAMBUCANA, MORAL E CIVISMO e BRASIL, MINHA TERRA! além de outro – HISTÓRIA DO BRASIL - ainda inédito. E inéditos tem, igualmente, três outros livros: um de crônicas, um de contos e outro de historinhas para crianças. Mário Sette, que é, sem dúvida, um dos mais operosos escritores da sua terra, pertence à Academia Pernambucana de Letras e ao Instituto Histórico de Pernambuco, sendo correspondente de outras associações de cultura literária do País.

Fonte: Notas do Editor da 1ª Edição de SETTE, Mário. “Arruar”. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1948.

Bilhete de Manuel Bandeira a Mário Sette

Caro confrade Mário Sette

Enfim cumpro o grato dever de lhe dar as minhas impressões sobre seu belo livro ARRUAR. Li-o devagar, saboreando-o deliciadamente, como se faz com os manjares finos, à semelhança daqueles que eu via preparar em casa de meu avô Costa Ribeiro na rua da União, no tempo das “festas” (retiravam-se então da despensa as grandes tachas de cobre que se areavam até avermelhejarem como o sol de certos dias nublados).

A imagem do Recife da minha infância se confunde em meu espírito com a imagem do meu avô e ouvir alguém contar a história do Recife no século XIX equivale a ouvir contar a biografia de meu avô. Aquele mesmo “enternecido envolvimento evocativo” com que você declara ter escrito aquelas páginas, dominou-me as horas de leitura. Quantas reminiscências já apagadas revocou você à minha lembrança: eu já me tinha esquecido dos “Filomomos” e dos “Cavaleiros da Época”, da Douvizu, do Manuel do Carmo e da Viúva Guilherme e do Couceiro! Cada um desses nomes devolvidos à minha memória foi como uma varinha de condão a me restituir largas constelações do passado. Você não esqueceu nada (exceto creio o “papel picado” do carnaval antigo que guardou até hoje a maior importância para mim); até o “Sampaio” (parece que estou a vê-lo no seu formidável prestígio de papel aquisitivo do rolete da cana, do amendoim cozido, das tapiocas na estação dos trens de Olinda). Quando você fala dos jornais, pensei comigo: ele vai esquecer-se do Henrique Soido dos sonetos do “Jornal do Recife”... Pois lá estava o Henrique Soido, que é uma das minhas mais antigas recordações literárias (lembro-me de procurar o habitual soneto dele no Jornal: tinha eu meus oito anos).

Aprendi muita coisa no seu livro sobre minha querida cidade natal, inclusive este detalhe familiar: que um dos dezoito primeiros assinantes do telefone foi o médico Raimundo Bandeira, morador à rua da União n° 25. Saiba que esse Raimundo Bandeira era meu tio e meu padrinho de batismo. Na casa da rua da União n°25, residia meu avô Antônio Herculano de Souza Bandeira, professor de Filosofia do Curso Anexo da Academia de Direito, reprovador de Castro Alves no exame de geometria ....
Assim meu caro Mário Sette, sobrinho de meu velho professor Sette, o seu ARRUAR é um livro precioso, onde espero que um dia você virá por uma dedicatória para este seu amigo e admirador.

Rio, 22 de abril de 1949
Manuel Bandeira

Consagração de "ARRUAR"

“ARRUAR ganha, assim, uma densidade de interpretação, uma riqueza de conceitos, uma amplitude de percepção panorâmica, em condições de emparelhar-se muita vez a certos aspectos da monumental obra sociológica do eminente compatrício da Casa-Grande & Senzala”.

Herman Lima (Letras e Artes - Rio, 18-01-1948)

“Livros dessa natureza deveriam ser encontrados sempre à disposição de nativos e turistas, falta, aliás, que se sente tanto no Recife, ou no Rio, como em quaisquer lugares de visitação histórica no Brasil”.

Rachel de Queiroz (O Cruzeiro. Rio, 31-07-1948)

“Quem lê Arruar... se é pernambucano fica mais pernambucano; se brasileiro de outro Estado, mais amigo de Pernambuco ou do Recife; se estrangeiro, mais simpático à gente pernambucana e à cidade que não é apenas capital de um Estado, mas metrópole de uma região”.

Gilberto Freyre (Diário de Notícias. Rio, 26-09-1948)

“Mário Sette reconstitui tudo com mão de mestre paciente, com o sentimento de folheador meticuloso das velhas páginas e investigador dos mais remotos costumes e tradições”.

Raul Lima (Diário de Notícias. Rio, 07-12-1947)

“Todas as origens e a evolução do Recife aí se encontram nada parecidas com os cadáveres em formol, antes expondo as marcas de uma estranha vivacidade que chega quase a anular as fronteiras das épocas”.

Mauro Mota (Diário de Pernambuco. Recife, 04-1948)

“Mário Sette foi o único escritor, depois do velho Pereira da Costa, a se preocupar com o nosso passado social, vasculhando em todos os sentidos quanto arquivo público ou particular se lhe deparou”.

Lucilo Varejão (Jornal do Brasil. Rio, 22-07-1948)

“E tudo que está no livro é quase o milagre de transformar em ouro a poeira dos arquivos”.

Silvino Lopes (Jornal do Brasil. Rio, 01-08-1948)