Os quatro: Mário Sette e Maria Laura com os filhos, Hilton e Hoel.
Recibo do aluguel da casa onde viviam Mário Sette e Maria Laura em 1907.
A verdade manda que se diga ter existido lá, em casa de meus pais, além do religioso, um verdadeiro culto à evocação.
O casal em passeio pelas ruas do Recife.
Hilton Sette, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife (1935)
Aos quarenta e sete anos, vítima de uma fatalidade, Hilton perde a visão e, impreterivelmente, não pôde continuar desenvolvendo suas pesquisas. Aos poucos, ele foi encontrando, no engenho da intelectualidade, uma brecha para suas divagações.
(...) escreveu romances, contos e novelas que lhe reservaram a cátedra número 9 na Academia Pernambucana de Letras, em 4 de fevereiro de 1988.
Hílcia Sette, licenciada em Geografia e História (FAFIRE, 1955)
“Desde jovem sinto uma sensibilidade à flor da pele, herdada de meu avô Mário Sette, um sentimental inveterado e Hilton Sette, meu pai, homem de uma ternura e de um amor extraordinários. Não podia ser diferente...”
Casa Amarela, 26/01/1938: "Hilcinha faz 3 anos".
Hílcia com os avós Mário e Maria Laura
Hílcia era uma pessoa extremamente sensível à estética e aos problemas do seu tempo. Nutria demasiado interesse pela música de toda época e lugar.
Em “Duas Palavras”, Hilton Sette nos ajuda a compreender de forma inequívoca a marca de Mário Sette, assinalada no culto à evocação, como expressão de sua pernambucanidade.
Sim, éramos quatro.
Meu pai, minha mãe, meu irmão e eu.
Família igual a muitas outras de classe média,
nesta heróica e mui leal cidade do Recife, durante as primeiras
décadas do século andante.
Apreciada através do ângulo social-econômico, uma família de “barnabé” federal, vivendo sob o império de rígido orçamento doméstico. As despesas mensais, tolerando raros extraordinários, tinham que se limitar a uma receita representada pelos poucos vencimentos de um praticante dos Correios e pelos aluguéis de três imóveis, pertencentes antes a minha mãe, por herança paterna.
Dentro do campo cultural, lar de escritor de província, o romancista
e cronista Mário Sette, sempre voltado para as coisas do espírito
e enriquecido pela presença de livros, muitos livros, quadros de boa
pintura nas paredes e aparelho reprodutor de música, desde o gramofone
à vitrola ou rádio.
Sem casa própria, andávamos com os trastes às costas em
mudanças complicadas de Olinda para o Recife, para a Várzea, outra
vez para Olinda, para o Espinheiro, num ziguezague incrível, ditado por
circunstâncias as mais diversas.
Meu pai era irrequieto. Parece que não gostava muito de demorar no mesmo
lugar. Daí as mudanças com intervalos, no máximo de quatro
anos, as temporadas de vilegiatura e quase sempre o serviço de repartição
em Caruaru, em Gravatá, no engenho de um parente amigo.
Onde quer que estivéssemos, porém, éramos quatro. Numérico
e espiritualmente. Desde pequenos, meu irmão e eu, começamos a
ser admitidos em participação dos problemas, projetos e planos,
grandes decisões da família, num clima de harmonia, de equilíbrio
e de compreensão recíproca.
Lembro-me a respeito que, muito jovem ainda, o desmedido apego à terra
natal, conseguiu desmanchar por duas vezes planos de transferência do nosso
lar para o Sul do país. Continuamos a ser quatro, mesmo após meu
casamento em 1933, o nascimento de minha filha em1935, o casamento de meu irmão
em 1937 e o progressivo nascimento de sua prole a partir de 1938.
É que não obstante a autonomia de nossas famílias, habitando
residências muito próximas, continuamos na minha pessoa e na de
meu irmão a integrar, sem solução de continuidade, os quatro
do clã paterno.
E permanecemos quatro até 1950. Nesse ano, quando já perfazíamos
numericamente com os acréscimos de noras e netos o fatídico 13,
lá se foi o primeiro: meu pai.
Em Janeiro de 1963, o segundo: meu irmão. Deixaram o nosso convívio,
passaram a residir nas ruas sombreadas do Cemitério de Santo Amaro, privaram-nos
de suas presenças e do amparo que nos proporcionavam, mas a memória
de ambos, a saudade e a lembrança, dia a dia mais vivas de suas atitudes
certas, de seus modos de pensar, de seus ensinamentos, de seus conselhos dão-nos
a impressão de que nunca morreram.
A verdade manda que se diga ter existido lá, em casa de meus pais, além
do religioso, um verdadeiro culto à evocação.
As nossas reuniões familiares, ora em torno da mesa de refeições,
ora durante os serões até a hora de dormir, eram entretidas por
conversas sobre dois temas preferidos: planos de realizações futuras
ou reconstituição em todos os seus pormenores dos felizes episódios
do passado. A qualquer pretexto, uma frase melódica, um certo dito, um
perfume ou odor diferente, e um mundo de reminiscências vinham à
tona, focalizando ocorrências, situações, pessoas, costumes
vividos por meus pais ou por todos nós.
Não tinham outro significado os álbuns-miscelânea em que
meu pai gostava de colecionar verdadeiros documentários de nossa existência,
onde se destacavam os instantâneos fotográficos batidos em nossa
casa ou em passeios, excursões, solenidades.
Ainda hoje, quando quero mergulhar profundamente no passado, caminho mais curto
é remexer nas estantes da Biblioteca Mário Sette. Poucos sabiam
o volume que guarda a esmo, entre suas folhas, a surgir um mundo de saudades,
papéis de folhinhas marcando efemérides de nosso calendário
afetivo, bilhetinhos da gostosa correspondência doméstica, garatuje
desenhadas por nossas mãos de menino, datas e momentos da alma, lembrando
leituras ou releituras de certos papéis.
Notas autobiográficas escritas por
Hilton Sette
Hilton Sette, Minha História - Apontamentos Autobiográficos
www.hiltonsette.com.br
Sem dúvida, constatamos que a vida e obra de
Mário Sette se alternam em registrar e exaltar os entes queridos;
os cantos e recantos de sua terra; os eventos familiares; os falares,
os hábitos e os costumes da sua gente. Com o propósito de
guardar para sempre na memória, o que o tempo vem, definitivamente,
apagar.
Hilton e Hílcia não quiseram que o tempo levasse a memória
que Mário Sette, pernambucanamente, construiu no engenho e na ternura de
sua pena. Seguimos com informações biográficas de Hilton
e Hílcia.
Um exemplo de integridade, amorosidade e perseverança. Hilton nasceu no dia 30 de julho de 1911, em Recife. Viveu para superar os limites impostos pelo infortúnio. Considerado natimorto, sobreviveu ao parto de fórceps alto e passou a infância e a grande parte da puberdade necessitando de cuidados médicos. Aos quarenta e sete anos, vítima de uma fatalidade, Hilton perde a visão e se despede da atividade de geógrafo e pesquisador. Desde então, até os seus oitenta e seis anos, Hilton não fez outra coisa que não fosse contar a história dos seus personagens.
Foi alfabetizado aos cinco anos de idade por meio de um
abecedário em cubos de madeira sob a orientação de
sua mãe, Maria Laura. Fez o curso primário em casa com professores
particulares. No curso secundário, submeteu se aos exames preparatórios
e completou o grau no Carneiro Leão e Ginásio Pernambucano.
Na pretensão de obter um excelente lastro cultural, elegeu o Curso
de Direito. Mas, somente depois de ter ingressado na função
pública dos Correios, marchou para a docência. E encontrou
na Geografia o seu maior interesse, vindo a dedicar-se à pesquisa
com entusiasmo.
Em 1945, exonerou-se dos Correios e passou a dedicar-se, exclusivamente, ao magistério.
Lecionou em vários colégios recifenses entre os quais o Nóbrega,
o Vera Cruz, o São José, o Carneiro Leão e o Osvaldo Cruz,
bem como na Escola Normal Pinto Júnior. Em 1946, assumiu a cadeira de Histórias
das Américas e História do Brasil na Faculdade de Filosofia do Recife
e aceitou o convite de Padre Bragança para lecionar a cadeira de Geografia
Física, na Faculdade de Filosofia Manuel da Nóbrega, embrião
da atual Universidade Católica de Pernambuco.
Em 1952, ingressou no corpo docente da Universidade Federal de Pernambuco, a convite
de Mário Lacerda de Melo, como professor assistente da cadeira de Geografia
Humana. E em 1953, foi professor do Ginásio Pernambucano, a princípio
em caráter interino e depois catedrático de Geografia do Brasil,
mediante aprovação em concurso de títulos e provas.
Apenas um passo: de professor a autor de livros didáticos. Na intenção
de dar aos alunos a continuação de suas aulas, retratando a sua
maneira de ensinar, Hilton resolveu escrever e publicar pela Editora do Brasil
S.A., de São Paulo, em parceria com Manuel Correia de Andrade, várias
séries de compêndios de Geografia Geral, Geografia do Brasil, destinados
ao curso secundário de primeiro e segundos graus. Tais livros alcançaram
mais de quarenta edições de cinco mil exemplares e foram vendidos
em todo o Brasil nas décadas de 50, 60 e 70.
Hilton produziu mais alguns outros livros didáticos, como “Introdução
à Geografia”, “Geografia do Nordeste”, “Geografia
dos Continentes”, “Geografia Regional” e “Geografia do
Brasil” para as três séries do antigo Curso Científico,
“Geografia e História de Pernambuco” para o Curso Pedagógico
e “Geografia Geral” e “Geografia do Brasil” para o atual
Curso de Segundo Grau.
Os anos 50 representaram para Hilton o apogeu de suas atividades no campo geográfico.
Compondo uma equipe constituída por Mário Lacerda, Gilberto Osório,
Manuel Correia, Tadeu Rocha, Dárdano de Andrade Lima e José Lavareda,
Hilton realizou intensas atividades de pesquisa geográfica. Percorreu,
praticamente, em várias excursões, todo o estado de Pernambuco,
quase toda a Paraíba, sul do Ceará e oeste de Alagoas.
Além de duas teses para concurso, uma em 1946 – “Regiões
Naturais de Pernambuco” e outra em 1955 – “Pesqueira”.
Escreveu ainda e publicou “A micro-região geográfica da Serra
Negra”; “Aspectos de Geografia Urbana de Garanhuns” e “Atividades
Pesqueiras de Pernambuco”. Essa equipe fundou a Secção Regional
de Pernambuco da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1952).
Hilton foi membro da diretoria em diversos anos e presidente da AGB pernambucana
em 1958, quando realizou sua última atividade como geógrafo e pesquisador,
ao tomar parte na Assembléia da AGB Nacional em Santa Maria da Boca do
Monte, Rio Grande do Sul.
Aos quarenta e sete anos, vítima de uma fatalidade, Hilton perde a visão
e, impreterivelmente, não pôde continuar desenvolvendo suas pesquisas.
Aos poucos, ele foi encontrando, no engenho da intelectualidade, uma brecha
para suas divagações. A arte de escrever já lhe era muito
sua conhecida. Hilton explicava que por afinidade e carinho ao seu pai, Mário
Sette, e pela necessidade de dar vazão ao movimento do espírito,
que não envelhece, ele escreveu romances, contos e novelas que lhe reservaram
a cátedra número 9 na Academia Pernambucana de Letras, em 4 de fevereiro
de 1988.
(...)
Ante as limitações impostas pelo envelhecer
do corpo, impossibilitando-me o exercício de outras atividades,
recorro à fecundidade do pensamento e à vocação
literária herdada de meu pai. Não faço mais que voltar
às raízes. Na infância e adolescência, aparecia
com “colaborações” em “O Tico-tico”,
excelente revista infantil carioca, e no “Recreio da Petizada”,
uma congênere recifense. Na juventude, fins da década de
20 e começos da de 30, publicava poemas “futuristas”
à moda de Oswald de Andrade e contos românticos no “Jornal
de Caruaru”, “Vitrina”, “Pra você”
e “Jazz-band”, da imprensa pernambucana ou em “Para
todos”, “O Fon-fon”, “O Malho”, revistas
do Rio.
(...)
Hilton nos deixou no dia 20 de dezembro de 1997, quando nos preparávamos para mais um Natal. A proximidade da festa natalina lhe comovia e excitava a sua lembrança. Reminiscências de uma época mais feliz, em que compartilhava com a sua Jô, a esposa, Lúcia, falecida há um ano e oito meses, o aconchego do lar e a cumplicidade de meio século de uma vida inteira a dois. Não se queixava, pelo contrário, Hilton agradecia tudo com animosidade. Nunca deixou de falar no seu muito amado pai e mãe e de como foram felizes em família. Recordava com carinho as pessoas que fizeram parte de sua vida, suas alegrias e tristezas. Mas, a solidão da alma é implacável. Um forte resfriado agravou seu estado de saúde e, sem muita razão, levou-o para longe dos nossos olhos. A sua vida e obra permanece aqui, entre os seus, para sempre de geração em geração.
Romances:
O RAPAZ DA VILA MARIA (1981)
ZÉ DO FOGUETE (1984)
APARTAMENTO DE COBERTURA (1984)
BIOGRAFIA DE UMA VELHA SENHORA (1989)
ESTRANHA PENITÊNCIA (1995)
Novelas:
TIRO DE MISERICÓRDIA (1985)
DONZELAS NA BERLINDA (1988)
Contos:
ESTÓRIAS DA VIDA (1985)
ROSAS VERMELHAS (1991)
RESTOS DE TACHO (1995)
A docência foi uma decorrência espontânea e natural na vida de Hílcia. Filha do Professor Hilton e a primeira neta do professor e escritor Mário Sette, essas são duas referências suficientes a sua apresentação.
Nascida em Alagoas, Hílcia passou o seu primeiro ano de vida em Maceió. Depois, veio a residir, definitivamente, em Recife. Dizia que era alagoana com carinho, mas pernambucana pela identidade aos costumes e à tradição cultural de Pernambuco.
Hílcia foi, amorosamente, cuidada num ambiente cheio de mimos e superproteção. Cresceu respirando a intelectualidade do avô e do pai. Por isso foi dona de uma mundividência sem limites culturais, todavia, com os pés bem plantados na sua terra. Nos escritos autobiográficos, seu pai, Hilton Sette, menciona o nascimento de sua filha com essas palavras:
“... Ainda nesses 1935, três acontecimentos marcantes em minha vida. O nascimento de Hílcia Maria, minha primeira e única filha, a 26 de Janeiro, na Ladeira do Brito, 65, Maceió, onde morávamos na companhia de meus pais.”
O nascimento de Hílcia, também, não escapa à pena de Mário Sette, o seu avô diletíssimo, que registra:
“Janeiro de 1935. Vai nascer nosso primeiro neto. Vivemos um clima de
expectativa dos mais doces e extremosos de nossa vida. Vejo um berço
em nossa casa. Há quanto tempo não víamos esse móvel
sob nosso teto!... Maria Laura enfeita-o carinhosamente. Encontro-a uma tarde
e sorriu, lembrando-me do tempo de recém-casados...
E chega a noite da véspera. 25 de janeiro. Hoel e Neusa, noivos, passam
as férias conosco. Aguardamos a todo momento a vinda dessa criancinha
tão ansiosamente esperada. Correm as horas... Leio, ou melhor, releio
o “Pecheur d’Islande”, de Loti. Chove, relampeja, troveja
longe. Madrugada do sábado, 26. De repente, a um gemido mais forte de
Lúcia, Maria Laura, do quarto de Hilton: - “Nasceu” –
e acrescenta: “É uma menina”. E a voz de Hilton: - Hílcia
Maria. Fecho o livro, depois de assinalar a página em que me achava.
O volume será uma lembrança futura de Hílcia. Naquela página
começara a bater por ela o coração do Dindinho... Dali,
a pouco, na sala, vemos a menina, a nossa menina!... Rodeamos-lhe o berço,
quase numa adoração.” 1
Sem dúvida, a geografia humana de Hílcia se encontra circunscrita no pai e avô. Pessoas de conhecimento e sensibilidade que marcaram profundamente a formação e educação de Hílcia. Aos mais próximos, ela se definia assim:
“Desde jovem sinto uma sensibilidade à flor da pele, herdada de meu avô Mário Sette, um sentimental inveterado e Hilton Sette, meu pai, homem de uma ternura e de um amor extraordinários. Não podia ser diferente...”
Hílcia, como não poderia deixar de ser, também, escreve algumas linhas autobiográficas quando completa sessenta anos. Ela nos diz:
Estamos vivendo o sexagésimo oitavo janeiro de minha vida. No ano de
1935, estava às vésperas de nascer. Minha “baixinha”
pesada, andando devagar, gestando um bebê tão desenvolvido para
sua constituição franzina. A expectativa de minha chegada mexia
com toda a família – meu avô Mário Sette, um sentimental
inveterado, vivia escrevendo no seu Diário a emoção do
meu nascimento. Dindinha, minha doce avó e madrinha, aprontava as roupinhas
de lã, tricotando-as, ao mesmo tempo em que colocava incenso no enxovalzinho.
Papai, cheio de preocupações com o parto de mamãe numa
terra estranha, longe da família dela. Tio Hoel e Badinha, recém-chegados
do Recife, aguardavam com alegria o momento.
E no dia 26 às três e pouco da madrugada, noite de chuvas e trovoadas
distantes (segundo Mário Sette) vim ao mundo, rodeada de amor e carinho
por parte da família. E o tempo foi passando... Procuro, numa volta ao
passado, rememorar os outros 26 de janeiro de minha vida!
(...)
Durante o curso primário, estudei em casa com professoras particulares,
primeiramente com dona Deolinda e depois com Nadir.
(...)
Minha primeira comunhão realizou-se no Colégio de São José,
educandário onde Dindinho lecionava e era muito estimado. Fui preparada
por Madre Rangel e a missa foi oficiada por Padre Guedes. No outro ano, precisava
entrar no ginásio e para isso teria que prestar o exame de admissão.
O colégio escolhido foi outra vez o São José. Depois de
muitos estudos, logrei o primeiro lugar de minha vida, estando, portanto habilitada
a cursar o Ginásio. Novas experiências, novos professores, novas
colegas, costumes rigorosos, farda calorenta, meias compridas, traje de gala
branco, roupa de ginástica desatualizada.
(...)
Terminei meu curso ginasial com “pompa e circunstância” –
fui premiada com várias medalhas: Ao Mérito de comportamento,
estudos e religião. Continuei estudando no Colégio de São
José, o curso Científico – sendo Química e Biologia
minhas disciplinas prediletas. Transferi-me do Colégio de São
José para o Vera Cruz, onde conclui o terceiro ano do Curso Colegial.
Lá, papai ensinava a uma turma bastante numerosa que se preparava para
o vestibular de Licenciatura de Geografia e História na FAFIRE.
(...)
Fiz vestibular na FAFIRE e passei outra vez em primeiro lugar no curso escolhido.
A FAFIRE foi se incorporando a minha vida. O curso de Geografia e História
trazia algumas vantagens – colegas do Vera Cruz, professores conhecidos,
amigos de papai como Mário Lacerda, Amaro Quintas, Waldemar Valente,
Manuel Correia entre outros, tratavam-me com dedicação e apreço.
Sentia-me valorizada a filha do prof. Hilton Sette. As freiras que exerciam
cargos administrativos – Madre Torres (a diretora), Madre Carneiro, Madre
Lopes, já as conhecia no tempo de colégio. Não houve mudanças
bruscas, mas um continuísmo na ambiência estudantil.”
Em 1955, Hílcia se graduou em Licenciatura em Geografia e História
pela Faculdade Frassinetti do Recife - FAFIRE. Em seguida, casou-se com Aldênio
Melo Rêgo. Dessa união nasceram os seus seis filhos e Hílcia
se afastou do meio acadêmico para dedicar-se à família.
Sempre risonha e amável, Hílcia era uma pessoa de fácil
relacionamento, mansa, dócil e pronta para escutar. A todos, ela oferecia
uma amizade sincera e transparente. Partilhava alegrias, tristezas e algumas
dúvidas com parcimônia e discrição. Para os seus,
apresentava-se mais descontraída, embora fosse comedida.
Hílcia era uma pessoa extremamente sensível à estética
e aos problemas do seu tempo. Dedicava-se à leitura tanto de periódicos
como da literatura clássica e contemporânea, prosa ou poesia. Nem
um pouco rebelde, compatibilizava a vontade, o desejo com a possibilidade, com
bom senso e criatividade.
Nutria demasiado interesse pela música de toda época e lugar.
Era fã incondicional do compositor e intérprete Chico Buarque
de Holanda, acompanhando todas as fases por que passou, não perdendo
seus lançamentos anuais e suas lutas contra a “dita Censura”.
Saboreava, entre outras, as músicas de Toquinho e Vinícius de
Moraes, Tom Jobim e João Gilberto e a voz melodiosa de Elis Regina. Acompanhou
o aparecimento de vários artistas da música popular e do cinema
brasileiro.
De menina à moça feita, Hílcia adorava brincar o carnaval
e muitas foram as suas fantasias... Mais velha, admirava com fascínio
a pujança carnavalesca que a tradição popular conservou.
Assim como a festa junina e todas as festas de cunho religioso. Nada a escapava,
o que lhe fazia ser uma pessoa enraizada, ligada aos costumes e à história
da sua gente.
Em 1979, Hílcia concluiu a graduação de Licenciatura em
Letras Português, na Universidade Católica de Pernambuco –
UNICAP. Nesse mesmo ano, ela passa a integrar o quadro de docentes dessa Instituição
até o ano de 2003.
Em 1980, começa a lecionar na FAFIRE, onde mantém vínculo
até os seus últimos dias de vida. Hílcia lecionou, com
responsabilidade e carinho, as disciplinas: Língua Portuguesa I, II,
III, V e VI; História da Língua Portuguesa I e II; Língua
Latina I e II; Português Instrumental e Leitura e Produção
de Texto. Desde 2006, exerceu a função de revisora da Revista
Lúmen e dos Cadernos de Pedagogia, Ciências Biológicas,
Psicologia. Sentia-se feliz em ser útil e produtiva.
Em vinte dois de outubro de 2009, repentinamente, Hílcia nos deixou.
Um colapso fulminante fez seu coração parar discreta e silenciosamente,
como era o seu costume ser. Lamentamos, profundamente, a sua ausência.
Todavia, a sua referência de pessoa, profissional e amiga, a terna dedicação
à família e aos alunos e o seu sorriso meigo e amável nos
confortam porque permanecem vivos em nós que a conhecemos.
1 SETTE, Mário. Memórias Íntimas. Recife: Fundação de Cultura da cidade do Recife, 1980. 134 p.