Ainda em 1921, segundo o crítico Oscar Mendes, Mário Sette torna-se pioneiro de um assunto-tema na literatura contemporânea nacional, SENHORA DE ENGENHO, sete anos antes de “A Bagaceira”, de José Américo de Almeida, é o primeiro romance regionalista do ciclo da cana-de-açúcar.

 

 

 

O Cedro, em Caruaru - a terra de Clarinha das Rendas, personagem do conto que tanto enterneceu Olavo Bilac.

 

 

 

Caruaru foi a menina dos olhos de meu pai. Uma simpatia, um bem-querer desinteressado, uma perfeita integração familiar com a sociedade local e uma constante participação em todos os movimentos assistenciais em favor da comunidade durante décadas de 10, 20 e 30.

 

 

 

O Cruzeiro de Caruaru, cidade que, como Recife e Olinda, inspirou muitos romances do autor.

 

 

 

O autor em uma de suas viagens pelo interior de Pernambuco.

 

 

 

Desde muito novo, começou a escrever e publicar vários versos, que, porém nunca reuniu em volume; depois, já com crônicas, contos e comentários, passou a colaborar com certa assiduidade em periódicos não só de Pernambuco, mas também do Rio e de outros Estados

 

 

Textos mariossetteanos

A obra de Mário Sette

Hilton Sette

Noventa por cento da obra literária de Mário Sette, muito mais que a fidelidade de sua presença física, refletem o seu amor, o seu devotamento pela Terra em que nasceu, a sua pernambucanidade. E, dentro de Pernambuco, quatro áreas geográficas predominam na localização de suas estórias literárias: as paisagens canavieiras de Tracunhaém, as praias e as ladeiras de Olinda, a cidade de Caruaru com as caatingas e brejos dos arredores e o seu tão querido Recife.

Apenas o primeiro de seus livros, em 1918, AO CLARÃO DOS OBUSES, reúne uma coletânea de contos dedicados à bravura dos franceses na defesa do solo pátrio invadido pelos boches de Guilherme II, da Alemanha. Já o segundo, ROSAS E ESPINHOS, no ano seguinte, reconstitui cenários recifenses, olindenses e caruaruenses para suas histórias românticas, onde se destaca CLARINHA DAS RENDAS que tanto enterneceu Bilac, a ponto de pedir à irmã que o relesse poucas horas antes de morrer.

O PALANQUIM DOURADO, em 1921, é todo Olinda, a cidade onde moramos por longos anos em casas localizadas na ladeira de São Francisco, rua de São Bento, rua Vinte e Sete de Janeiro e praias do Farol e de São Francisco. Um romance histórico, revivendo a vellha Marim dos Caetés na época em que os pernambucanos da Convenção de Beberibe vingaram os mártires de 1817, ao expulsar o governador português Luís do Rêgo.
Ainda em 1921, segundo o crítico Oscar Mendes, Mário Sette torna-se pioneiro de um assunto-tema na literatura contemporânea nacional. SENHORA DE ENGENHO, sete anos antes de “A Bagaceira”, de José Américo de Almeida, é o primeiro romance regionalista do ciclo da cana-de-açúcar. A primeira edição desse livro constituiu um verdadeiro best-seller esgotando mil exemplares em menos de um mês, só nas livrarias do Recife. Mais de mil exemplares no mês seguinte e logo depois Monteiro Lobato lança a terceira edição, com uma tiragem de cinco mil exemplares. Em 1924, editado pela Lelo da cidade do Porto, Portugal, o romance O VIGIA DA CASA GRANDE, prêmio da Academia Brasileira de Letras, vem complementar o SENHORA DE ENGENHO. O primeiro, conta enredo duma típica família de casa grande de engenho banguê em seus contatos com a Vila de Tracunhaém tão próxima e com a paisagem canavieira e rural envolventes. O outro focaliza os tipos humanos, as atividades profissionais, a vida simples e os costumes dos moradores de outro banguê, o Mata Verde, em flagrantes autênticos, sem qualquer preocupação do autor em equacionar problemas sociais, nem bitolar sua arte dentro de doutrinas religiosas.
A FILHA DE DONA SINHÁ (1923) é o romance caruaruense. Caruaru foi a menina dos olhos de meu pai. Um simpatia, um bem-querer desinteressado, uma perfeita integração familiar com a sociedade local e uma constante participação em todos os movimentos assistenciais em favor da comunidade durante décadas de 10, 20 e 30, resultaram das longas temporadas de vilegiatura em casas alugadas nas ruas da Matriz, do Comércio ou a Vigário Freire. Em troca, o monte de Bom Jesus, os avelozes, as rendeiras do Cedro, a gente boa e tão amiga, os brejos opulentos lhe inspiraram CLARINHA DAS RENDAS, A FILHA DE DONA SINHÁ e numerosos contos do SOMBRAS DE BARAÚNAS e de JOÃO IGNÁCIO.
Ainda nos anos de 20, Mário Sette publica A MULHER DE MEU AMIGO e AS CONTAS DO TERÇO, este último um romance recifense. Também aparecem os seus livros didáticos destinados ao aprendizado duma boa leitura nos cursos primário e ginasial: VELHOS AZULEJOS e TERRA PERNAMBUCANA. Este último, uma coleção de episódios históricos, atos de bravura, lendas, manifestações folclóricas da gente pernambucana, logrou alcançar a sua nona edição e ainda hoje deveria estar nas mãos dos jovens estudantes de nossa terra, visando a sua formação moral e cívica.
Nos começos da década de 30, refletindo seu estado de espírito, injustiçado e perseguido na repartição dos Correios e Telégrafos, em que trabalhava, meu pai escreve o seu único romance amargo, SEU CANDINHO DA FARMÁCIA, no entanto o mais recifense de todos os seus livros de ficção.
Nessa mesma época, na opinião do crítico Moacir de Albuquerque, o autor de ARRUAR inicia um novo assunto-tema na literatura brasileira. Tudo começou quando de parceria com um primo, amigo e vizinho, o escritor Fernando Pio dos Santos, ambos apareceram nas colunas do “Jornal Pequeno” em semanas alternadas, com uma série de crônicas leves sobre coisas e costumes do Recife antigo, intituladas “Pernambuco no tempo das Anquinhas e das Maxambombas”. Logo depois, Mário Sette publica MAXAMBOMBAS E MARACATUS, outro sucesso de livraria, com duas edições de quatro mil exemplares esgotados em poucos meses. Seguem-se AS AZEVEDOS DO POÇO, ANQUINHAS E BERNARDAS, POR ONDE OS AVÓS PASSARAM, BARCAS DE VAPOR e ARRUAR, todos dentro da mesma feição evocativa do Recife de outrora.
ARRUAR, uma verdadeira história pitoresca da evolução da metrópole recifense desde sua origem de “Povo dos Arrecifes”, representa o seu canto de cisne, um estudo de pesquisa sério e em profundidade realizado através de jornais, revistas, panfletos e periódicos pernambucanos, consultados na Biblioteca Pública do Estado e no Gabinete Português de Leitura.

Fonte: Trecho do prefácio por Hilton Sette in SETTE, Mário. Arruar – história pitoresca do Recife antigo. Coleção Pernambucana. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1975.

 

Apresentamos um relato sobre a obra literária de Mário Sette desde a sua tenra idade, passando pela adolescência e atingindo à maturidade, feito pela professora Hílcia Maria Sette Melo Rêgo.

1. Manifestações precursoras na infância

1.1. ISABEL: peça escrita para teatro de bonecas, aos nove anos de idade.

1.2. Artigos e composições insertas em jornais do Colégio Loureiro.

2. Literatura de adolescente

2.1. Versos maliciosos publicados em jornais do gênero A Pimenta e O Besouro, sob o pseudônimo de Dr. Gancho.

2.2. Sonetos românticos dedicados a amada e publicados nos grandes jornais do Recife.

3. Literatura adulta

3.1. Crônicas sociais focalizando fatos, costumes e problemas quotidianos do Recife, publicadas sob o pseudônimo Marcello, em colunas do jornal Pequeno e Diário de Pernambuco, com os títulos de Cinema e Kodak.

3.2. Contos publicados em jornais, revistas:

3.2.1. Contos patrióticos de exaltação à França durante a primeira guerra mundial, constituindo o livro AO CLARÃO DOS OBUSES (1916).

3.2.2. Contos sentimentais colecionados nos livros ROSAS E ESPINHOS (1918) e SOMBRAS DE BARAÚNAS (1927).

3.2.3. Contos dialogados compondo o livro QUEM VÊ CARA...

3.3. Romances:

3.3.1. Romance histórico por ocasião do centenário da Revolução Pernambucana de 1821 – O PALANQUIM DOURADO (1921).

3.3.2. Romances do ciclo de açúcar, sob os títulos SENHORA DE ENGENHO (1921) e o VIGIA DA CASA GRANDE (1924).

3.3.3. Romances com cenários e costumes da região do agreste pernambucano e inspirados por Caruaru, sob os títulos A FILHA DE DONA SINHÁ (1923) e A MULHER DE MEU AMIGO (1932), bem como as novelas CLARINHA DAS RENDAS, OUTROS OLHOS e JOÃO IGNÁCIO.

3.3.4. Romances de costumes e cenários recifenses com os títulos de SEU CANDINHO DA FARMÁCIA (1932), AS CONTAS DO TERÇO e OS AZEVEDOS DO POÇO (1938).

3.4. Livros didáticos destinados a estudantes dos cursos primários e secundários:

3.4.1. Parábolas e leituras cívicas, sob os títulos VELHOS AZULEJOS (1924), TERRA PERNAMBUCANA (1925) e BRASIL, MINHA TERRA! (1928).

3.4.2. Lições de ética e de amor à Pátria, sob os títulos INSTRUÇÃO MORAL E CÍVICA e MORAL E CIVISMO.

3.4.3. Lições de história pátria, sob os títulos HISTÓRIAS DE BRASIL (vol. 1) e HISTÓRIA DO BRASIL (vol. 2).

3.5. Crônicas evocativas do Recife Antigo constituindo uma verdadeira história pitoresca dos costumes sociais e do crescimento da cidade, sob os títulos: MAXAMBOMBAS E MARACATUS (1935), ANQUINHAS E BERNARDAS (1940), BARCAS-DE-VAPOR (1945), POR ONDE OS AVÓS PASSARAM e ARRUAR (1948), o seu livro máximo no gênero.

 

Algumas palavras mais

Lucilo Varejão Filho

Mário Sette nasceu em Pernambuco, em 19 de abril de 1886. Desde muito novo, começou a escrever e publicar vários versos, que, porém nunca reuniu em volume; depois, já com crônicas, contos e comentários, passou a colaborar com certa assiduidade em periódicos não só de Pernambuco, mas também do Rio e de outros Estados, fazendo aparecer em 1917 o seu primeiro livro: AO CLARÃO DOS OBUSES, contos inspirados em episódios da guerra que então lavrava.

A seguir publicou ROSAS E ESPINHOS, SENHORA DE ENGENHO (1921), com várias edições e que muitos consideram a sua obra prima; QUEM VÊ CARAS... (contos); O PALANQUIM DOURADO; O VIGIA DA CASA GRANDE (1924) e A FILHA DE DONA SINHÁ, romances todos três, havendo O VIGIA DA CASA GRANDE obtido grande prêmio da Academia Brasileira de Letras; SOMBRAS DE BARAÚNAS(contos); AS CONTAS DO TERÇO (romance); JOÃO IGNÁCIO e A MULHER DO MEU AMIGO (novelas); MAXAMBOMBAS E MARACATUS, crônicas cheias de cor e emoção sobre o 1900 pernambucano, na expressão de Gilberto Freyre, livro que teve logo que apareceu, duas edições sucessivas; SEU CANDINHO DA FARMÁRCIA (1933); OS AZEVEDOS DO POÇO (1938), romances. Em 1948, Mário publicou, com grande sucesso, ARRUAR - HISTÓRIA PITORESCA DO RECIFE ANTIGO numa edição da Casa do Estudante do Brasil (RJ). Destas obras, várias são de edição portuguesa (Lelo&Irmão) e uma delas, SENHORA DE ENGENHO, saiu uma edição espanhola.
Mário Sette, embora autodidata, ensinou em vários educandários de Recife e, são dessa época, vários trabalhos didáticos: VELHOS AZULEJOS, TERRA PERNAMBUCANA, MORAL E CIVISMO, MINHA TERRA, além de uma HISTÓRIA DO BRASIL inédita.

Fonte: Apresentação de Lucilo Varejão Filho in Coleção Romances Urbanos – Mário Sette, Vol 6. Recife: Companhia Editora de Pernambuco – CEPE, 2006.